quarta-feira, outubro 14, 2009

a vida é costura

Uma palavra é um entrelaçamento de letras. Uma história é um entrelaçamento de palavras. E sentires.

A vida é por um fio. Sempre.

Às vezes, um entrelaçamento de fios. Mais das vezes, embaralhados.

Viver é desfiar palavras.

João sabe disso.

Que João?

O “João por um fio”, criado pelo Roger Mello.

João tem uma história própria. Esse João. Uma história dele. Sobre ele. Uma história que ele deixou compartilhar conosco, seus leitores.

Conhecer histórias é viver também. Um cruzamento de histórias. Costuras de vida.

A história deste João começa assim:

João se pergunta, ao dormir: “Agora sou só eu comigo?”.

Pode ser, respondemos. Como pode não ser.

João sonha quando dorme. O que significa que nem sempre seja ele com ele somente. E há os leitores, claro, que o acompanham enquanto ele dorme.

Os leitores a quem cabem algumas perguntas de respostas-não-prontas:

“Onde é que se esconde a noite que beija João?”
“Quem tem medo de um gigante chamado João? Ou quando é que o gigante dorme?”
“Se João cai no sono, com que paisagens ele sonha?”
“E se o medo derrama, João é que abre a torneira?”
“Que rede segura um peixe maior que a gente?”
“De que tamanho é o furo na colcha que cobre João?”
“Como se para um furo que não para?”

De repente, eis que, num susto, João acorda, e se preocupa: “Quem desfiou minha colcha?”.

Nós, leitores, sabemos quem foi. Ou como foi que a colcha se desfiou. Mas não podemos falar a João. Não podemos porque ele precisa descobrir o desenrolar da sua colcha. Ele precisa sentir como isso aconteceu. Ele precisa aprender a costurá-la novamente.

E João mostra saber disso: “No meio do vazio viu palavras espalhadas no chão”.

Então, ele resolve costurar palavras “como retalhos numa colcha”. E, ainda mais. “Enquanto costura, João inventa uma cantiga de ninar”.

Faz mais do que imaginávamos. Surpreende-nos.

E a nós, que acompanhamos João assim de perto, fica a pergunta: “De que tamanho é a colcha de palavras que cobre João?”.

Mas não fica-nos somente esta pergunta. Por trás dela há outra, que João espertamente nos deixa:

De que tamanho é a colcha de palavras que nos cobre?

E, para respondê-la, cabe-nos fazer como João: ao sonhar, desfiar a colcha que nos cobre, abri-la, explorá-la. Expormo-nos. E, depois, costurarmos palavras que nos cobrirão novamente.

A vida são ciclos, mostra-nos João.

A vida é um se despir para se conhecer.
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í.ta**

sexta-feira, outubro 02, 2009

Formalizar o Deformado

É escrever um poema, um resto de teorema,
Ao som e ao áudio do vídeo de Ferreira, o Gullar,
Falando do "antiformalista por excelência" para os ouvidos
Aguçados de Ivan Juqueira, beirando palavras
Das incertezas.

Faz parte da poesia brasileira, que nada tem de portuguesa,
E é verso freguês de bar barato, ato sem muito tato.

Sua destruição é a lei,
É a vez do que se desfez.

escrever é dar a cara a tapa

publiquei artigo, na quarta-feira, no jornal "hoje", que circula por jaraguá e região.
o título do artigo é o título do post.
é sobre o escrever.
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Escrever deveria ser sempre um incômodo.
Incomodar, segundo o Novo Dicionário Aurélio, significa, entre outras coisas, causar incômodo a, importunar, desgostar, irritar.Escrever deveria ser tudo isso, pois.
Estar incomodado é estar “levemente indisposto, constrangido”, ainda segundo o dicionário. E todo texto deveria incomodar. Incomodar o escritor e o leitor. Deixá-los indispostos, constrangidos diante do que se escreve e do que se lê.
Uma das finalidades de todo e qualquer texto, literário ou não, deveria ser esta. Já afirmara o crítico Umberto Eco, em seus “Seis passeios pelo bosque da ficção”, que “o texto é uma máquina preguiçosa que espera muita colaboração da parte do leitor”.
E essa colaboração nem sempre deve significar um ato de concordância. Contudo, não significa que deva se tornar rígida e excessivamente discordante.
Um texto cumpre com sua finalidade quando propõe um algo a mais para quem o lê. E para quem o escreve também.
Um algo a mais que reflita num pensar mais elaborado, que signifique um repensar determinado ponto de vista, ou que jogue luz sobre alguns caminhos de compreensão ainda não alcançados.
Se hoje escrevo, é por ler tantas e tantas coisas maravilhosas (e quantas ainda por ler!).
Se hoje escrevo, é porque desenvolvi em mim a pretensão de achar que através de minhas palavras as pessoas também poderiam se sentir tocadas, seja se encontrando em meus rabiscos, seja desenvolvendo uma antipatia pelos mesmos (e consequentemente por mim).
Se hoje escrevo, isso se deve ao trabalho de penso inserido nessa prática. Algo que me alimenta como sujeito. Algo em que acredito que possa alimentar a outros da mesma forma.
Se hoje escrevo é também por acreditar que esse ato possa ser contagioso.
Escrevo porque dói, e porque essa dor é minha fuga. Escrevo para me contradizer e porque ainda não encontrei melhor forma de solidão.
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í.ta**

quinta-feira, outubro 01, 2009

O estranho dos estranhos

Vi escapar tão de repente
o trejeito no seu sim
Vi também o ai de mim
que vazou sem se tocar

Vê também que te vêem assim
por causa do teu som
Saiba que não foges aqui
14 mil a te olhar

O estranho dentro do ninho
O mais doido varrido
Um príncipe desvairado
E a moça delatada
A cobra peçonhenta
Na teia encantada
A merda que foi feita
Não serve mais de nada

Vê também quem ri de mim
Tão principe que eu sou
Saiba que aqui estou
Mais vão do que
Tu

O cálice entornado
A rosa desfolhada
A linda namorada
De lábios marejada
Desfilo na parada
Com seios de vinil
E mostro a minha cara
Pra todo o Brasil

Quero tê-lo, mas não tenho como.